O ano de mil novecentos e cinquenta e dois foi muito frio e chuvoso. Foi também um dos piores anos da minha vida. Meu filho mais velho contraiu tuberculose de tanto trabalhar na friagem ajudando o pai. Depois de vários dias de febre alta, meu marido se dispôs a leva-lo ao médico. Como a situação era muito grave, o doutor recomendou interna-lo em um sanatório numa cidade serrana. Disse que o clima iria favorecer sua recuperação. Passei dois meses com ele na clínica, mas não adiantou. Meu filho não resistiu. Voltei arrasada para casa, mas não podia prever oque me esperava. Meu marido havia trazido a amante para cuidar dos meus filhos. Há muito tempo eu sabia que ele me traia, pois aos fins de semana ele sempre saia e voltava só na segunda-feira. Não me procurava mais, e quase sempre dormia em outro quarto. Essa mulher que ele trouxe para a nossa casa, não era desconhecida. Eu já a tinha visto nas raras vezes em que íamos à igreja. No dia em que retornei e a encontrei fui tomada de uma forte raiva. Ela estava sentada na varanda penteando o cabelo da minha filha caçula. Meus outros filhos estavam bem acostumados com a presença dela, e nem demonstraram terem sentido falta de mim. A dor da indiferença, misturada com a dor do luto se transformou em revolta e eu exigi de meu marido uma explicação. Cinicamente ele disse que eu estava velha, tanto para a cama, quanto para cuidar da casa e dos filhos. Que a Mariquinha estava ali para me ajudar. Que ela era moça e cheia de energia e estava se dando muito bem com as crianças. Pela primeira vez em minha vida eu ousei dizer a ele que eu não aceitaria sua vontade. Que queria a tal Mariquinha longe da nossa casa e dos meus filhos. Nem bem proferi essas palavras, ele acertou meu rosto com um soco. Senti o gosto do sangue, antes que ele me agarrasse pelos cabelos e batesse minha cabeça contra a parede. Não me lembro do resto da agressão, pois desmaiei e só voltei a mim algum tempo depois com o corpo todo dolorido, e a boca amarga. Cambaleando me encaminhei para a cozinha. A risada dos meus filhos me surpreendeu. Eles que nunca sorriam, agora gargalhavam na presença de uma intrusa. O mais surpreendente porém foi ouvir a voz em tom jovial do meu marido contando uma anedota. Em todos aqueles anos de convivência ele nunca se esforçara para agradar a mim e os filhos. Triste e humilhada retornei ao meu quarto escuro. (continua)
Literart é um espaço criado para armazenar meus escritos literarios e para divulgação dos mesmos.
literatura e arte
"Cuando la lectura pasa a ser parte de la vida del individuo en forma naturaly,se convierte en hábito e dificilmente se puede dejar"
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Memorias de uma anciã
O ano de mil novecentos e cinquenta e dois foi muito frio e chuvoso. Foi também um dos piores anos da minha vida. Meu filho mais velho contraiu tuberculose de tanto trabalhar na friagem ajudando o pai. Depois de vários dias de febre alta, meu marido se dispôs a leva-lo ao médico. Como a situação era muito grave, o doutor recomendou interna-lo em um sanatório numa cidade serrana. Disse que o clima iria favorecer sua recuperação. Passei dois meses com ele na clínica, mas não adiantou. Meu filho não resistiu. Voltei arrasada para casa, mas não podia prever oque me esperava. Meu marido havia trazido a amante para cuidar dos meus filhos. Há muito tempo eu sabia que ele me traia, pois aos fins de semana ele sempre saia e voltava só na segunda-feira. Não me procurava mais, e quase sempre dormia em outro quarto. Essa mulher que ele trouxe para a nossa casa, não era desconhecida. Eu já a tinha visto nas raras vezes em que íamos à igreja. No dia em que retornei e a encontrei fui tomada de uma forte raiva. Ela estava sentada na varanda penteando o cabelo da minha filha caçula. Meus outros filhos estavam bem acostumados com a presença dela, e nem demonstraram terem sentido falta de mim. A dor da indiferença, misturada com a dor do luto se transformou em revolta e eu exigi de meu marido uma explicação. Cinicamente ele disse que eu estava velha, tanto para a cama, quanto para cuidar da casa e dos filhos. Que a Mariquinha estava ali para me ajudar. Que ela era moça e cheia de energia e estava se dando muito bem com as crianças. Pela primeira vez em minha vida eu ousei dizer a ele que eu não aceitaria sua vontade. Que queria a tal Mariquinha longe da nossa casa e dos meus filhos. Nem bem proferi essas palavras, ele acertou meu rosto com um soco. Senti o gosto do sangue, antes que ele me agarrasse pelos cabelos e batesse minha cabeça contra a parede. Não me lembro do resto da agressão, pois desmaiei e só voltei a mim algum tempo depois com o corpo todo dolorido, e a boca amarga. Cambaleando me encaminhei para a cozinha. A risada dos meus filhos me surpreendeu. Eles que nunca sorriam, agora gargalhavam na presença de uma intrusa. O mais surpreendente porém foi ouvir a voz em tom jovial do meu marido contando uma anedota. Em todos aqueles anos de convivência ele nunca se esforçara para agradar a mim e os filhos. Triste e humilhada retornei ao meu quarto escuro. (continua)
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Memorias de uma anciã
Meu nome é Erme linda, mas pode me chamar somente de Lica. Nada de dona, pois as únicas coisas da qual sou proprietária, são as lembranças e os dissabores. Nasci no interior de São Paulo em uma fazenda, em mil novecentos e dezessete. Sou a única filha mulher de uma prole de nove filhos. Aos oito anos de idade eu já cuidava da casa e levava almoço para meus pais e meus irmãos na roça. Aos treze anos de idade me casei com um homem trinta anos mais velho. Foi um arranjo dos meus pais. Aos quatorze tive um filho que nasceu morto. Enviuvei aos dezesseis anos. Meu marido foi morto por causa de terras. Ele havia cercado áreas que não lhe pertenciam. Quando completei dezoito anos meus pais me arrumaram novo casamento. Desta vez meu companheiro tinha apenas dez anos a mais que eu. Era filho de gente de posse. Um moço de poucas palavras e muito rude. Logo depois da lua de mel, ele se mostrou exigente e violento. Por qualquer motivo me espancava. Certa vez depois de apanhar por quase uma noite inteira, criei coragem contei aos meus pais, e falei que queria me separar. Meu pai esbofeteou meu rosto e mandou que eu nunca mais dissesse aquilo de novo. Minha mãe ficou do lado dele, falou que a mulher tem que obedecer e fazer tudo para não deixar o marido nervoso. Que eu deveria levantar as mãos para o céu e agradecer pela vida boa que eu tinha. Meu pai completou dizendo que se eu apanhei, com certeza foi merecido. Que um homem não bate em sua mulher atoa. Ordenou que eu voltasse para casa, e fosse boazinha e obediente. Aos vinte e seis anos eu já era mãe de cinco filhos. Três meninos e duas meninas. Meus filhos tinha verdadeiro pavor do pai e eram tão espancados, quanto eu. Éramos uma família estranha. Não tínhamos amigos, saiamos raramente, só para irmos á igreja. Meu marido com grandes passadas ia altivamente à frente, atrás eu e as crianças. Esforçávamos para acompanha-lo. Cabisbaixos e exaustos. Não tínhamos permissão para falar com ninguém e assim que acabava a missa, voltávamos para casa sem parar em nenhum outro lugar. Meus pais e meus irmãos raramente apareciam, e quando o faziam me tratavam como se eu fosse uma desconhecida. Passavam todo o tempo admirando os porcos e o gado do meu marido. Falando do tempo e do preço do café. Não me convidavam para ir visita-los, e nem se importavam com os meus filhos. Estavam satisfeitos com o arranjo financeiro entre as famílias. Nunca fizeram perguntas sobre meu casamento, e nem se eu ainda era espancada. (Continua)
domingo, 24 de fevereiro de 2013
A flor e o sol
Nascida por acaso a beira de um precipício, a florzinha amarela suportou bravamente as dificuldades da existência. O pior período era o noturno. O ar frio da noite e forte ventania, a castigavam por todos os lados. Assistira o fim de outras da sua espécie. Não raro a luz do dia encontrava por todas as partes, diversas flores fenecidas. Cada anoitecer era uma cruel prova a ser vencida. O tempo foi passando e a florzinha foi se tornando cada vez mais forte. Aprendera a se curvar ao lado contrário do vento e se manter firme, a conviver e a gostar da friagem noturna. Fizera amizade com pássaros, e borboletas, e já não se sentia tão solitária. Certa manhã, sentindo se alegre e viva, a florzinha se atreveu a olhar em direção ao sol. O astro luminoso acabava de despontar no horizonte e ainda espreguiçando, olhou para o precipício. A beleza da flor amarela despertou sua atenção. A curiosidade o dominou. Como uma coisinha tão frágil, conseguira sobreviver em lugar tão inóspito? Perguntou-se ele. A florzinha por sua vez, se sentiu envergonhada ao ser observada com tanto interesse e desviou o olhar. Nas manhãs que se seguiram, o ritual se repetiu. Ela olhava timidamente para o astro rei, e ele a procurava no precipício cada vez mais encantado. Independente da distância e posição, um sentimento forte nasceu entre eles. A florzinha aguardava ansiosamente o nascer do dia para vê-lo, e o sol passou a despontar um pouco mais cedo e a se esconder mais tarde. Certa manhã, cheio de saudade, o sol a procurou e a encontrou desfalecida. Com imenso carinho ele estendeu seus raios, mas seu toque não a despertou. Com grande tristeza, ele descobriu que a perdera. . A dor da perda o atingiu fortemente, e angustiado ele se escondeu por trás de uma grande nuvem. O céu escureceu e a chuva caiu na terra, em meio a trovões e relâmpagos. Dias mais tarde, ainda enfraquecido pela tristeza o sol voltou a aparecer. Olhou em direção ao penhasco e novamente ia se esconder quando algo despertou sua atenção. Um imenso girassol se sacudia em sua direção. Nesse instante ele reconheceu na cor e no balançar sua amada florzinha. 16/08/2012
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