A chuva da noite castigou a terra. Relâmpagos rasgaram o céu, e trovões retumbaram com força. Açoitadas pelo vento algumas árvores quedaram ao solo, deixando suas raízes expostas. Plantas e flores foram carregadas pelas enxurradas. Galhos se partiram causando a morte de várias espécies de aves. Sobretudo filhotes. Uma florzinha vermelha viu aterrorizada suas companheiras sumirem nas águas turvas. O medo à fez se encolher sobre si e torcer para que a chuva passasse. Nascera há tão pouco tempo, e corria o risco de não assistir ao nascer do dia seguinte. Durante algumas horas ela chorou a sua sorte, esperando tristemente a sua vez de partir. Para não continuar testemunhando o extermínio ao seu redor ela fechou os olhos. Começou então a se recordar dos momentos vividos. Lembrou-se de como era bonito o nascer do sol, e do calor agradável que dele se desprendia a aquecendo, enxugando as gotas de orvalho. Recordou o trinar dos pássaros festejando o amanhecer. Da algazarra que faziam voando de uma árvore para outra. Só se aquietando quando a manhã já estava no fim, para começarem a se agitar novamente no cair da tarde. Sorriu ao pensar no amigo beija-flor que por ela se enamorara, e que costumava visita-la todos os dias para elogiar sua beleza, mas que acabou desistindo de cortejá-la por ser incapaz de ser fiel em sua admiração e não conseguir ficar muito tempo no mesmo lugar. Onde estaria ele nessa noite chuvosa? Teria sobrevivido? A madrugada foi passando devagar, e a florzinha trêmula de frio continuou com seus devaneios. Das lembranças, que, aliás, eram poucas, ela passou a fantasiar. Imaginou que era uma árvore frondosa, em cujos galhos pássaros coloridos faziam seus ninhos. Riu ao imaginar o vento fustigando suas folhas tentando arrancá-las, mas passando a diante, não conseguindo o seu intento. Chegou a sentir a chuva formando um pequeno riacho na tentativa de arrastá-la, e batendo em retirada enfurecida, ao constatar que ela, a árvore estava muito bem enraizada. Na imaginação a frágil florzinha foi árvore, pássaro, mico e em todas essas formas ela venceu a tempestade. Imaginou até que era humana, e que estava abrigada numa casa sólida e quente. Um toque suave a despertou, e ao abrir os olhos à florzinha percebeu que amanhecera e a chuva passara. O sol brilhava majestoso. Seus raios passeando pelo que restara do jardim. Feliz por ter sobrevivido à florzinha olhou ao redor para descobrir quem a despertara. Notou o beija-flor a olhando aliviado. Penalizada ela percebeu que o amigo também sofrera com a tempestade. Perdera metade das suas penas, e um dos olhos estava vazado. Quis dizer palavras de consolo, mas viu que também estava sendo analisada. Olhou para si e descobriu que tivera todas as pétalas arrancadas. Toda a sua beleza fora embora com a chuva. Um soluço a sacudiu, mas ao notar um imenso carinho na expressão do amigo, ela sorriu satisfeita. O importante é que estavam vivos e ainda tinham um ao outro. A aparência era apenas um detalhe. Vânia Lopes
Literart é um espaço criado para armazenar meus escritos literarios e para divulgação dos mesmos.
literatura e arte
"Cuando la lectura pasa a ser parte de la vida del individuo en forma naturaly,se convierte en hábito e dificilmente se puede dejar"
sábado, 21 de dezembro de 2013
A florzinha valente
A chuva da noite castigou a terra. Relâmpagos rasgaram o céu, e trovões retumbaram com força. Açoitadas pelo vento algumas árvores quedaram ao solo, deixando suas raízes expostas. Plantas e flores foram carregadas pelas enxurradas. Galhos se partiram causando a morte de várias espécies de aves. Sobretudo filhotes. Uma florzinha vermelha viu aterrorizada suas companheiras sumirem nas águas turvas. O medo à fez se encolher sobre si e torcer para que a chuva passasse. Nascera há tão pouco tempo, e corria o risco de não assistir ao nascer do dia seguinte. Durante algumas horas ela chorou a sua sorte, esperando tristemente a sua vez de partir. Para não continuar testemunhando o extermínio ao seu redor ela fechou os olhos. Começou então a se recordar dos momentos vividos. Lembrou-se de como era bonito o nascer do sol, e do calor agradável que dele se desprendia a aquecendo, enxugando as gotas de orvalho. Recordou o trinar dos pássaros festejando o amanhecer. Da algazarra que faziam voando de uma árvore para outra. Só se aquietando quando a manhã já estava no fim, para começarem a se agitar novamente no cair da tarde. Sorriu ao pensar no amigo beija-flor que por ela se enamorara, e que costumava visita-la todos os dias para elogiar sua beleza, mas que acabou desistindo de cortejá-la por ser incapaz de ser fiel em sua admiração e não conseguir ficar muito tempo no mesmo lugar. Onde estaria ele nessa noite chuvosa? Teria sobrevivido? A madrugada foi passando devagar, e a florzinha trêmula de frio continuou com seus devaneios. Das lembranças, que, aliás, eram poucas, ela passou a fantasiar. Imaginou que era uma árvore frondosa, em cujos galhos pássaros coloridos faziam seus ninhos. Riu ao imaginar o vento fustigando suas folhas tentando arrancá-las, mas passando a diante, não conseguindo o seu intento. Chegou a sentir a chuva formando um pequeno riacho na tentativa de arrastá-la, e batendo em retirada enfurecida, ao constatar que ela, a árvore estava muito bem enraizada. Na imaginação a frágil florzinha foi árvore, pássaro, mico e em todas essas formas ela venceu a tempestade. Imaginou até que era humana, e que estava abrigada numa casa sólida e quente. Um toque suave a despertou, e ao abrir os olhos à florzinha percebeu que amanhecera e a chuva passara. O sol brilhava majestoso. Seus raios passeando pelo que restara do jardim. Feliz por ter sobrevivido à florzinha olhou ao redor para descobrir quem a despertara. Notou o beija-flor a olhando aliviado. Penalizada ela percebeu que o amigo também sofrera com a tempestade. Perdera metade das suas penas, e um dos olhos estava vazado. Quis dizer palavras de consolo, mas viu que também estava sendo analisada. Olhou para si e descobriu que tivera todas as pétalas arrancadas. Toda a sua beleza fora embora com a chuva. Um soluço a sacudiu, mas ao notar um imenso carinho na expressão do amigo, ela sorriu satisfeita. O importante é que estavam vivos e ainda tinham um ao outro. A aparência era apenas um detalhe. Vânia Lopes
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Encontro-te em meus sonhos
Quando a luz do quarto se apaga,/ banhada por uma lua pálida,/ Relaxo, suspiro, estremeço,/ do dia que acabou esqueço,/ Começo por visualizar seu sorriso,/ o olhar de menino indeciso,/ abraço capaz de me enlouquecer./ Um toque de música suave,/ o sono me chega agradável,/ estou pronta para encontrar você.
domingo, 17 de março de 2013
Memorias de uma anciã- Final
Aos quarenta anos conheci o amor. Foi a melhor sensação que tive em toda a minha vida. Como eu não podia mais cuidar da casa e meus filhos estavam crescidos. Tomei por habito caminhar pelas terras da fazenda onde morava. Havia um lugar em particular que eu apreciava. Um pequeno recanto rodeado de arvores que ocultava um pequeno riacho. Ali eu passava horas esquecida da vida, com os pés mergulhados na água cristalina. Certa tarde estava eu distraída e não ouvi passos se aproximando. Grande foi o meu susto ao ver se sentar ao meu lado na grama um sujeito desconhecido. Era um homem alto e bonito. Assustada me levantei, mas por infelicidade meu chinelo esgarranchou na grama e se ele não tivesse me amparado eu teria caído dentro do riacho. Vermelha de vergonha nem agradeci, sai correndo rumo á minha casa. A imagem daquele homem moreno porem, não saiu da minha cabeça. Dois dias depois voltei ao recanto. Esperei ansiosa ate que senti sua aproximação. Meu coração batia descompassado e quando ele me entregou uma rosa, deixei cair de tanto que minhas mãos tremiam. Ele então falou que trabalhava há pouco tempo na fazenda vizinha, e que não queria ser ousado, mas que não conseguira parar de pensar em mim, desde que me vira. Que eu era bela como a santa da folhinha que seu patrão tinha na sala. Eu que em toda a minha vida nunca recebera elogios, fiquei atordoada e feliz. Balbuciei um agradecimento e parti. Durante meses vivi essa paixão. Apesar de nunca ter sido beijada por ele, e de apenas nos darmos às mãos me sentia viva, querida. Ele era um homem sensível. Gostava de poesias e todas as vezes que nos encontrávamos lia para mim. Algumas eram tão tristes que ao ouvi-las, lágrimas escorriam pelo meu rosto. Ele delicadamente as secava com as pontas dos dedos. Tudo ia muito bem, porém comecei negligenciar minhas obrigações. Às vezes esquecia de trocar a agua das criações, lavava de qualquer jeito o chiqueiro, e por um descuido meu uma tarde, um bezerrinho escapou do cercado e foi pisoteado pelas vacas. À noite quando meu marido soube me arrastou para o celeiro e me surrou com o chicote que ele usava para bater nos animais que lhe faziam raiva. Meu vestido se rasgou com a violência dos golpes, e isso o deixou excitado. Há anos ele não me procurava, mas naquela noite ele me derrubou em cima das palhas e me usou com força. Depois de se satisfazer ele saiu e fechou a porta por fora. Fiquei trancada no celeiro durante três dias. Uma das minhas filhas trazia agua e comida que a Mariquinha mandava escondido do meu marido. Uma manha ele simplesmente abriu a porta e mandou que eu saísse, e fosse dar lavagem aos porcos. Sequer olhou em minha direção. Assim que me vi em liberdade fui ao meu refugio secreto para encontrar o meu amado. Pela primeira vez recebi seu abraço e pude perceber o quanto ele sentiu a minha falta. Por não ter me olhado no espelho, não sabia que meu rosto, o pescoço e meus braços estavam arroxeados pela surra que levei. A revolta e o ódio tomaram conta do meu amor e ele jurou matar o meu marido. Implorei para que não o fizesse, pois por pior que ele fosse, era o pai dos meus filhos. Ele então propôs que fugíssemos para longe e eu concordei. Combinamos para dali a dois dias. A expectativa de uma vida nova despertou em mim uma felicidade incontida e meu marido desconfiou. No dia marcado para a fuga esperei as meninas irem para o colégio, os garotos partirem para a roça em companhia do pai, e assim que a Mariquinha foi para a cozinha se ocupar do almoço, peguei minha pequena trouxa de roupas e corri para encontrar meu amado. Estranhei não encontra-lo sentado á beira do rio, como sempre fazia. Coloquei o embrulho no chão e me dispus á espera-lo. O barulho de patas de cavalo me assustou e antes que eu pudesse reagir, apareceram meu marido e meus dois filhos. Pela expressão de seus rostos soube que haviam descoberto tudo. Meu marido saltou do cavalo e me puxou pelo braço em direção á um grupo de eucaliptos. Ali horrorizada eu vi o homem que eu amava morto. Um golpe certeiro quase lhe decepara o pescoço. Gritei com todas as minhas forças, mas um forte soco me derrubou ao chão. Recobrei a consciência minutos depois. Eu estava de novo no celeiro, mas não estava só. Em um canto estavam meus dois filhos e na minha frente meu marido. Ele estava com uma arma apontada para mim e sorria diabolicamente. Olhei desesperada para os garotos esperando que viessem em minha defesa, mas vi em seus olhos o mesmo brilho insano que vi nos olhos do pai. Implorei por misericórdia, chorei, pedi perdão. Meu marido disse duramente que eu ia morrer. Que eu era uma vagabunda. Que ia pagar por ter sujado seu nome. Ele então deu um passo atrás e se preparou para atirar. Nesse momento a porta do celeiro se abriu e a Mariquinha entrou correndo e se colocou na frente. O barulho do tiro foi ensurdecedor e o corpo da minha rival caiu ao chão. Um urro de desespero antecedeu ao barulho do próximo disparo, e meu marido tombou também sem vida. Ele realmente amava aquela mulher e preferiu se matar a viver sem ela. Mariquinha foi seu único e verdadeiro amor. Somente ela conseguiu penetrar naquele coração repleto de maldade. Após toda aquela tragédia, vendemos a fazenda e nos mudamos para a cidade. Os meus filhos se tornaram adultos, e cada um tomou um rumo. Nunca falamos do nosso passado sangrento, mas sei que silenciosamente sempre me acusaram pela morte do pai. Tenho netos, bisnetos que não conviveram comigo e nem foram ensinados a me amar. Quanto aos meus quatro filhos, Sei que esperam ansiosos por minha morte, para venderem a casa onde moro e dividirem o dinheiro. Minha família são meus vizinhos que trazem remédio, alimento e se preocupam com essa idosa de noventa e seis anos. Quanto á mim passo meus dias cuidando de um pequeno jardim. Cada florzinha que nasce é como um novo filho que Deus me dá, e que trazem alegria á esses olhos cansados. Nunca me revoltei contra meu destino, aceito cada dia a mais de vida como um presente do meu criador.
domingo, 3 de março de 2013
Memorias de uma anciã
Os dias foram se sucedendo tristemente, e quanto mais o tempo passava eu ia perdendo meu lugar na casa e na vida dos meus filhos. Talvez pelo fato da tal Mariquinha ainda ser jovem, eles tenham se identificado com ela, mas uma coisa eu tenho que admitir. Ela os tratava muito bem. As meninas copiavam seus trejeitos, e sua maneira de vestir. Era ela quem lhes penteava os cabelos, ajudava com as lições, e ia ao portão recebe-las quando retornavam da escola. Os dois meninos, já adolescentes suspiravam quando ela saia do banho envolto em perfume. Engraçado que meu marido nunca me fez um agrado. nunca recebi de suas mãos um presente que fosse. Com ela era diferente. Era um metro de chita aqui, um vidro de colônia ali. Ela estava sempre pintada e sorridente. Era meu marido entrar em casa, e ela começava a conversar dengosamente. Ao invés de se irritar, ele a cobria de elogios. Era um arroz que estava soltinho, uma carne bem passada do jeito que ele gostava, o doce de leite igualzinho ao que a sua falecida mãe fazia. O cínico dizia entre uma garfada e outra, que ganhara na loteria. Há muito tempo eu deixara de cozinhar. Meu marido proibiu. Disse que minha comida era intragável. Que tudo o que eu punha a mão desandava. Também fui proibida de lavar suas roupas, de cuidar do jardim. Ele falou que minhas mãos ásperas só serviam para o cabo da enxada. Nossa convivência na mesma casa era o mais distante possível. Desde a noite em que eu o questionei sobre a presença da Mariquinha e que fui espancada brutalmente, passei a dormir no quarto das meninas, e ela se mudou para o nosso quarto. Quando ele falava comigo era para reclamar da horta que não estava bem cuidada, do chiqueiro sujo, dos bezerros que eu não apartara. Em algumas ocasiões eu percebia no olhar da outra, certa piedade. Principalmente quando ele me fazia largar o prato de comida e ir lavar o chiqueiro dos porcos, mesmo eu afirmando já tê-lo lavado. Não falávamos uma com a outra, nem em caso de doença. Se ela precisava de alguma coisa, pedia a algum dos meus filhos para me falar. Com o tempo deixei de odiá-la, comecei a ver como um alivio sua presença. Agora era ela quem tinha que satisfaze-lo. Eu não era mais acordada de madrugada para que ele pudesse descarregar. Não apanhava enquanto ele estava em cima de mim. Eu podia deitar na minha cama estreita e dura e dormir tranquila. Em certas noites eu escutava através da parede a Mariquinha gemendo e me perguntava; será que ele faz com ela como fazia comigo? Será que ela gostava de se deitar com ele? (continua)
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Memorias de uma anciã
O ano de mil novecentos e cinquenta e dois foi muito frio e chuvoso. Foi também um dos piores anos da minha vida. Meu filho mais velho contraiu tuberculose de tanto trabalhar na friagem ajudando o pai. Depois de vários dias de febre alta, meu marido se dispôs a leva-lo ao médico. Como a situação era muito grave, o doutor recomendou interna-lo em um sanatório numa cidade serrana. Disse que o clima iria favorecer sua recuperação. Passei dois meses com ele na clínica, mas não adiantou. Meu filho não resistiu. Voltei arrasada para casa, mas não podia prever oque me esperava. Meu marido havia trazido a amante para cuidar dos meus filhos. Há muito tempo eu sabia que ele me traia, pois aos fins de semana ele sempre saia e voltava só na segunda-feira. Não me procurava mais, e quase sempre dormia em outro quarto. Essa mulher que ele trouxe para a nossa casa, não era desconhecida. Eu já a tinha visto nas raras vezes em que íamos à igreja. No dia em que retornei e a encontrei fui tomada de uma forte raiva. Ela estava sentada na varanda penteando o cabelo da minha filha caçula. Meus outros filhos estavam bem acostumados com a presença dela, e nem demonstraram terem sentido falta de mim. A dor da indiferença, misturada com a dor do luto se transformou em revolta e eu exigi de meu marido uma explicação. Cinicamente ele disse que eu estava velha, tanto para a cama, quanto para cuidar da casa e dos filhos. Que a Mariquinha estava ali para me ajudar. Que ela era moça e cheia de energia e estava se dando muito bem com as crianças. Pela primeira vez em minha vida eu ousei dizer a ele que eu não aceitaria sua vontade. Que queria a tal Mariquinha longe da nossa casa e dos meus filhos. Nem bem proferi essas palavras, ele acertou meu rosto com um soco. Senti o gosto do sangue, antes que ele me agarrasse pelos cabelos e batesse minha cabeça contra a parede. Não me lembro do resto da agressão, pois desmaiei e só voltei a mim algum tempo depois com o corpo todo dolorido, e a boca amarga. Cambaleando me encaminhei para a cozinha. A risada dos meus filhos me surpreendeu. Eles que nunca sorriam, agora gargalhavam na presença de uma intrusa. O mais surpreendente porém foi ouvir a voz em tom jovial do meu marido contando uma anedota. Em todos aqueles anos de convivência ele nunca se esforçara para agradar a mim e os filhos. Triste e humilhada retornei ao meu quarto escuro. (continua)
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Memorias de uma anciã
Meu nome é Erme linda, mas pode me chamar somente de Lica. Nada de dona, pois as únicas coisas da qual sou proprietária, são as lembranças e os dissabores. Nasci no interior de São Paulo em uma fazenda, em mil novecentos e dezessete. Sou a única filha mulher de uma prole de nove filhos. Aos oito anos de idade eu já cuidava da casa e levava almoço para meus pais e meus irmãos na roça. Aos treze anos de idade me casei com um homem trinta anos mais velho. Foi um arranjo dos meus pais. Aos quatorze tive um filho que nasceu morto. Enviuvei aos dezesseis anos. Meu marido foi morto por causa de terras. Ele havia cercado áreas que não lhe pertenciam. Quando completei dezoito anos meus pais me arrumaram novo casamento. Desta vez meu companheiro tinha apenas dez anos a mais que eu. Era filho de gente de posse. Um moço de poucas palavras e muito rude. Logo depois da lua de mel, ele se mostrou exigente e violento. Por qualquer motivo me espancava. Certa vez depois de apanhar por quase uma noite inteira, criei coragem contei aos meus pais, e falei que queria me separar. Meu pai esbofeteou meu rosto e mandou que eu nunca mais dissesse aquilo de novo. Minha mãe ficou do lado dele, falou que a mulher tem que obedecer e fazer tudo para não deixar o marido nervoso. Que eu deveria levantar as mãos para o céu e agradecer pela vida boa que eu tinha. Meu pai completou dizendo que se eu apanhei, com certeza foi merecido. Que um homem não bate em sua mulher atoa. Ordenou que eu voltasse para casa, e fosse boazinha e obediente. Aos vinte e seis anos eu já era mãe de cinco filhos. Três meninos e duas meninas. Meus filhos tinha verdadeiro pavor do pai e eram tão espancados, quanto eu. Éramos uma família estranha. Não tínhamos amigos, saiamos raramente, só para irmos á igreja. Meu marido com grandes passadas ia altivamente à frente, atrás eu e as crianças. Esforçávamos para acompanha-lo. Cabisbaixos e exaustos. Não tínhamos permissão para falar com ninguém e assim que acabava a missa, voltávamos para casa sem parar em nenhum outro lugar. Meus pais e meus irmãos raramente apareciam, e quando o faziam me tratavam como se eu fosse uma desconhecida. Passavam todo o tempo admirando os porcos e o gado do meu marido. Falando do tempo e do preço do café. Não me convidavam para ir visita-los, e nem se importavam com os meus filhos. Estavam satisfeitos com o arranjo financeiro entre as famílias. Nunca fizeram perguntas sobre meu casamento, e nem se eu ainda era espancada. (Continua)
domingo, 24 de fevereiro de 2013
A flor e o sol
Nascida por acaso a beira de um precipício, a florzinha amarela suportou bravamente as dificuldades da existência. O pior período era o noturno. O ar frio da noite e forte ventania, a castigavam por todos os lados. Assistira o fim de outras da sua espécie. Não raro a luz do dia encontrava por todas as partes, diversas flores fenecidas. Cada anoitecer era uma cruel prova a ser vencida. O tempo foi passando e a florzinha foi se tornando cada vez mais forte. Aprendera a se curvar ao lado contrário do vento e se manter firme, a conviver e a gostar da friagem noturna. Fizera amizade com pássaros, e borboletas, e já não se sentia tão solitária. Certa manhã, sentindo se alegre e viva, a florzinha se atreveu a olhar em direção ao sol. O astro luminoso acabava de despontar no horizonte e ainda espreguiçando, olhou para o precipício. A beleza da flor amarela despertou sua atenção. A curiosidade o dominou. Como uma coisinha tão frágil, conseguira sobreviver em lugar tão inóspito? Perguntou-se ele. A florzinha por sua vez, se sentiu envergonhada ao ser observada com tanto interesse e desviou o olhar. Nas manhãs que se seguiram, o ritual se repetiu. Ela olhava timidamente para o astro rei, e ele a procurava no precipício cada vez mais encantado. Independente da distância e posição, um sentimento forte nasceu entre eles. A florzinha aguardava ansiosamente o nascer do dia para vê-lo, e o sol passou a despontar um pouco mais cedo e a se esconder mais tarde. Certa manhã, cheio de saudade, o sol a procurou e a encontrou desfalecida. Com imenso carinho ele estendeu seus raios, mas seu toque não a despertou. Com grande tristeza, ele descobriu que a perdera. . A dor da perda o atingiu fortemente, e angustiado ele se escondeu por trás de uma grande nuvem. O céu escureceu e a chuva caiu na terra, em meio a trovões e relâmpagos. Dias mais tarde, ainda enfraquecido pela tristeza o sol voltou a aparecer. Olhou em direção ao penhasco e novamente ia se esconder quando algo despertou sua atenção. Um imenso girassol se sacudia em sua direção. Nesse instante ele reconheceu na cor e no balançar sua amada florzinha. 16/08/2012
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
A canção da morte
Eduardo despertou ao som de uma música triste. Não era nada que tivesse ouvido anteriormente. A canção lúgubre e estranha cantada por uma voz feminina foi se aproximando. Os pelos da nuca de Eduardo se arrepiaram. Sentado na cama ele viu a porta do quarto se abrindo lentamente, e por ela entrou uma mulher muito bonita. Alta, magra, de pele rosada e longos cabelos negros. O rapaz paralisado pela surpresa e pelo medo, não reagiu quando as mãos geladas da mulher apertaram com força seu pescoço, lhe ceifando a vida. Passava da meia noite e a moça ainda estava acordada assistindo televisão. A princípio pensou que aquela música desconhecida fazia parte do enredo do filme de suspense que assistia, mas notou arrepiada que mesmo no intervalo da programação, o lamento persistia. A garota pensou em chamar pela mãe, mas sabia que se os pais a vissem acordada até àquela hora, dariam bronca. Decidiu desligar a televisão e ir para o seu quarto no andar de cima. Recriminou a si mesmo por assistir a tanto filme de terror. Sua mãe estava certa. Esses filmes não eram uma boa escolha, deixavam as pessoas impressionadas. Estava decidida a deixar de assisti-los. Estava começando a subir a escada quando ouviu um barulho atrás de si. Apavorada ela olhou por cima do ombro e caiu desmaiada. Na manha seguinte, os pais da jovem a encontraram morta. A cabeça estava virada em um ângulo estranho, e os olhos arregalados de pavor. O legista que examinou o corpo disse que a morte se deu pela queda da escada. A idosa acordara com uma terrível dor de barriga. Sentada no vaso ela tentava recordar oque comera no jantar, que lhe fizera mal. De repente ouviu a música. Alguma coisa naquele som lhe dizia que o fim se aproximava. Tremula a senhora se levantou e trancou a porta, mas ao virar se deparou com a morte na forma de uma mulher bela e desconhecida. A anciã tentou se defender daquelas mãos frias e elegantes, mas acabou estrangulada sem nenhuma piedade. Muitas pessoas foram vítimas da canção sinistra cantada pela maravilhosa mulher e nem no momento da morte, associaram seu terrível destino ao da linda cantora que fora assassinada décadas antes naquela cidade. Muitos ouviram seus gritos de desespero, mas ninguém se prontificou em salvá-la das mãos de um marido violento.
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