Os dias foram se sucedendo tristemente, e quanto mais o tempo passava eu ia perdendo meu lugar na casa e na vida dos meus filhos. Talvez pelo fato da tal Mariquinha ainda ser jovem, eles tenham se identificado com ela, mas uma coisa eu tenho que admitir. Ela os tratava muito bem. As meninas copiavam seus trejeitos, e sua maneira de vestir. Era ela quem lhes penteava os cabelos, ajudava com as lições, e ia ao portão recebe-las quando retornavam da escola. Os dois meninos, já adolescentes suspiravam quando ela saia do banho envolto em perfume. Engraçado que meu marido nunca me fez um agrado. nunca recebi de suas mãos um presente que fosse. Com ela era diferente. Era um metro de chita aqui, um vidro de colônia ali. Ela estava sempre pintada e sorridente. Era meu marido entrar em casa, e ela começava a conversar dengosamente. Ao invés de se irritar, ele a cobria de elogios. Era um arroz que estava soltinho, uma carne bem passada do jeito que ele gostava, o doce de leite igualzinho ao que a sua falecida mãe fazia. O cínico dizia entre uma garfada e outra, que ganhara na loteria. Há muito tempo eu deixara de cozinhar. Meu marido proibiu. Disse que minha comida era intragável. Que tudo o que eu punha a mão desandava. Também fui proibida de lavar suas roupas, de cuidar do jardim. Ele falou que minhas mãos ásperas só serviam para o cabo da enxada. Nossa convivência na mesma casa era o mais distante possível. Desde a noite em que eu o questionei sobre a presença da Mariquinha e que fui espancada brutalmente, passei a dormir no quarto das meninas, e ela se mudou para o nosso quarto. Quando ele falava comigo era para reclamar da horta que não estava bem cuidada, do chiqueiro sujo, dos bezerros que eu não apartara. Em algumas ocasiões eu percebia no olhar da outra, certa piedade. Principalmente quando ele me fazia largar o prato de comida e ir lavar o chiqueiro dos porcos, mesmo eu afirmando já tê-lo lavado. Não falávamos uma com a outra, nem em caso de doença. Se ela precisava de alguma coisa, pedia a algum dos meus filhos para me falar. Com o tempo deixei de odiá-la, comecei a ver como um alivio sua presença. Agora era ela quem tinha que satisfaze-lo. Eu não era mais acordada de madrugada para que ele pudesse descarregar. Não apanhava enquanto ele estava em cima de mim. Eu podia deitar na minha cama estreita e dura e dormir tranquila. Em certas noites eu escutava através da parede a Mariquinha gemendo e me perguntava; será que ele faz com ela como fazia comigo? Será que ela gostava de se deitar com ele? (continua)
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"Cuando la lectura pasa a ser parte de la vida del individuo en forma naturaly,se convierte en hábito e dificilmente se puede dejar"
domingo, 3 de março de 2013
Memorias de uma anciã
Os dias foram se sucedendo tristemente, e quanto mais o tempo passava eu ia perdendo meu lugar na casa e na vida dos meus filhos. Talvez pelo fato da tal Mariquinha ainda ser jovem, eles tenham se identificado com ela, mas uma coisa eu tenho que admitir. Ela os tratava muito bem. As meninas copiavam seus trejeitos, e sua maneira de vestir. Era ela quem lhes penteava os cabelos, ajudava com as lições, e ia ao portão recebe-las quando retornavam da escola. Os dois meninos, já adolescentes suspiravam quando ela saia do banho envolto em perfume. Engraçado que meu marido nunca me fez um agrado. nunca recebi de suas mãos um presente que fosse. Com ela era diferente. Era um metro de chita aqui, um vidro de colônia ali. Ela estava sempre pintada e sorridente. Era meu marido entrar em casa, e ela começava a conversar dengosamente. Ao invés de se irritar, ele a cobria de elogios. Era um arroz que estava soltinho, uma carne bem passada do jeito que ele gostava, o doce de leite igualzinho ao que a sua falecida mãe fazia. O cínico dizia entre uma garfada e outra, que ganhara na loteria. Há muito tempo eu deixara de cozinhar. Meu marido proibiu. Disse que minha comida era intragável. Que tudo o que eu punha a mão desandava. Também fui proibida de lavar suas roupas, de cuidar do jardim. Ele falou que minhas mãos ásperas só serviam para o cabo da enxada. Nossa convivência na mesma casa era o mais distante possível. Desde a noite em que eu o questionei sobre a presença da Mariquinha e que fui espancada brutalmente, passei a dormir no quarto das meninas, e ela se mudou para o nosso quarto. Quando ele falava comigo era para reclamar da horta que não estava bem cuidada, do chiqueiro sujo, dos bezerros que eu não apartara. Em algumas ocasiões eu percebia no olhar da outra, certa piedade. Principalmente quando ele me fazia largar o prato de comida e ir lavar o chiqueiro dos porcos, mesmo eu afirmando já tê-lo lavado. Não falávamos uma com a outra, nem em caso de doença. Se ela precisava de alguma coisa, pedia a algum dos meus filhos para me falar. Com o tempo deixei de odiá-la, comecei a ver como um alivio sua presença. Agora era ela quem tinha que satisfaze-lo. Eu não era mais acordada de madrugada para que ele pudesse descarregar. Não apanhava enquanto ele estava em cima de mim. Eu podia deitar na minha cama estreita e dura e dormir tranquila. Em certas noites eu escutava através da parede a Mariquinha gemendo e me perguntava; será que ele faz com ela como fazia comigo? Será que ela gostava de se deitar com ele? (continua)
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